segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Aos auxiliares veterinários

            Faz um bom tempo que não posto nada... mas vez ou outra vem o chamado "vet, explica de novo!" e aqui estou!


Existem muitos cursos para auxiliares e técnicos veterinários e esses cursos estão na categoria de cursos livres, assim como cursos de moda ou fotografia. 
Muitos se interessam pelo curso para conhecer o dia-a-dia e ver se prosseguem a carreira com uma graduação em Medicina Veterinária, outros querem cuidar melhor dos próprios animais em casa e existem àqueles que estão à procura de qualificação profissional e em busca por um novo emprego.
Sou de uma cidade pequena no interior do Estado de São Paulo e neste ano de 2018 tive o prazer de aulas para o curso de auxiliar veterinário para adolescentes. 
Muitos desistiram pelo caminho e houve até um pai me ligando dizendo que não ia mais pagar o curso porque não enxergava retorno financeiro.
Então, qual a realidade? Tem ou não tem emprego para auxiliares e técnicos veterinários?

A realidade é que temos que modificar todo um comportamento social que é enraizado inclusive nessas pessoas que procuram fazer esses cursos. Existe o pensamento de que Médicos Veterinários cobram caro... e meus próprios alunos querem consulta grátis, tirar dúvidas... ou vão pro balcão da loja agropecuária e compram qualquer coisa. Alguns até aprendem na aula o risco de intoxicação medicamentosa e mesmo assim eu tenho que ouvir “sempre fizeram assim em casa e nunca nenhum morreu”. Que sorte!



Auxiliares e técnicos veterinários só conseguem emprego se toda a engrenagem funcionar em conjunto: se não há demanda, não há emprego. Explico: se um Médico Veterinário atende poucos clientes, ele não tem necessidade de contratar uma mão de obra um pouco mais especializada. A moça do banho e tosa se vira, a secretária ajuda aqui e ali... e os auxiliares/técnicos esperando a vez para serem contratados...
Agora pense: se o fluxo de clientes é grande, não dá tempo pra moça do banho e tosa deixar o serviço dela de lado, a secretária tem que receber as pessoas, atender o telefone e organizar toda a burocracia, o Médico Veterinário começa sentir que não está dando conta sozinho e que vai acabar ficando maluco... e é nessa hora que o auxiliar/técnico veterinário tem sua grande chance de ser contratado!
Mas a realidade é que são poucos os auxiliares/técnicos querem pagar serviço veterinário. Ligam para o professor, vão comprar medicamento no balcão de loja... vão atrás de algum amigo veterinário pra ver se descola uma consulta na faixa... não incentivam amigos, parentes e vizinhos... E dessa maneira, como o mercado vai girar?


Ter um animal de estimação custa caro e ao longo da vida você pode investir o valor de um carro em um único cachorro. E nem precisa ser de raça e comprado num petshop. Ração de qualidade, check up e atendimento veterinário custam caro. Existem impostos altos porque animais foram considerados supérfluos pelo Governo Federal.
Além disso, sociedade deixa uma carga muito alta para o Médico Veterinário carregar. É ele quem tem que fazer tudo por amor aos animais. Hoje, muitas espécies (principalmente cães e gatos) são tratadas como filhos, mas Médico Veterinário de longe é tratado como um pediatra humano. Existe muita falta de respeito e desvalorização profissional. Estudamos tanto quanto ou até mesmo mais do que um médico humano. Talvez sejam erros dos próprios colegas veterinários que acabe desvalorizando a profissão, mas não vou entrar neste mérito neste texto. Mas precisamos mudar essa cultura já!


A doutora Sophia Yin foi uma Médica Veterinária norte americana excepcional. Criou várias técnicas para que todo o atendimento fosse o mais tranquilo possível, com menos estresse para os animais. Mas ninguém se preocupou com o estresse dela, o que ela estava passando.  Talvez a compaixão dela, refletisse a compaixão com que gostaria de ser tratada. Só uma teoria. Nunca saberemos a resposta porque ela decidiu tirar a própria vida.



Aos poucos a minha vida também vai mudando: de clínica geral para anestesista de cães e gatos. E com o que eu me deparo? Com um monitor multiparamétrico: um aparelho me dá vários parâmetros em tempo real para que a cirurgia seja a mais segura possível, para que desvios sejam corrigidos antes que sejam tarde demais. Esse aparelho mais básico, mas completinho (existem melhores e mais caros) custa R$ 6500,00 e o banco me negou financiamento por uma série de razões  (sou autônoma iniciante com baixo fluxo de clientes). 
E como é que eu fico nessa história de que eu tenho que salvar animais por amor? O banco não quer saber. O carnê da Prefeitura está ali todo mês e não aceitam abraços como forma de pagamento. Aluguel, conta de água, luz, telefone, internet, boletos e mais boletos... nenhum credor quer saber se eu sou solidária com os animais ou não.

Uma amiga que vai começar mais um ano de faculdade e precisou pagar R$ 2000,00 de rematrícula. Não é mensalidade de dezembro. Não é mensalidade de janeiro. É dinheiro pra ela continuar estudando. Fora pagar a van, lanche, xerox, mensalidades (sem considerar as despesas em casa)... E você ainda acredita que a gente tem que fazer TUDO por amor e caridade?
Caridade eu faço. Muitos dos meus colegas fazem. Muitos de nós tem tanta compaixão pelos animais que muitas vezes acaba sendo prejudicado de várias maneiras, principalmente com calote. Caridade deve ser anônima. O Conselho de Medicina Veterinária não se opõe. Só não pode usar caridade como autopromoção e para prejudicar outros colegas.

Uma outra amiga minha vai começar a dar coaching para empresários e pediu opinião de vários empresários sobre o que mais desanima. Minha resposta: falta de empatia.
Eu vejo vários comentários, posts incentivando o respeito ao trabalho, à valorização profissional... isso com manicures, mecânicos... todos pensam no próprio umbigo “eu quero ser respeitado”, “eu cobro tanto porque eu valorizo meu trabalho”. Perfeito! Tem que se valorizar, sim! O que não pode é desrespeitar os outros, os desvalorizando.



Enfim. A máquina do capitalismo gira assim: empregos são gerados conforme a demanda. Se não há demanda, não há empregos.

Eu falei isso para os meus alunos e falo para você também que é recém formado em algum curso de auxiliar ou técnico veterinário, ou mesmo para você que fez o curso há um tempo e se sente frustrado em não conseguir colocação na área. Comece por você a mudança! Pare de buscar soluções mastigadas e baratas. Você tem que ser o exemplo: pague consultas médicas para seu bichinho de estimação, incentive amigos, parentes e vizinhos! Você já aprendeu (ou deveria ter aprendido) a importância do Médico Veterinário e agora é só movimentar o mercado para que o mercado te contrate em breve!